segunda-feira, 16 de maio de 2016

Filosofia: Sentimento e Razão




Os sentimentos expressam estados interiores que podem desencadear determinadas ações e interferir com outras. O homem é um ser de sentimentos pois não é indiferente ao mundo que o rodeia. Experimenta no seu mundo interior, que poderíamos denominar de invisível, uma vez que está vedado aos olhos dos outros seres, um sem número de estados que muitas vezes nem o próprio consegue controlar. Na sua especificidade o ser humano torna-se como que uma presa vulnerável perante o contexto em que se insere. Por mais que se esforce o homem nunca conseguirá libertar-se da influência que estes estados interiores lhe provocam. É algo inerente à própria condição humana. Será isto uma limitação quando se parte para o conhecimento?
Segundo muitos pensadores os sentimentos são um alvo a eliminar pois podem deturpar seriamente uma análise. Bastaria aqui recordar Martin Heidegger que na sua busca filosófica afirma que “mesmo os mais belos sentimentos não pertencem à filosofia.” Para se atingir um conhecimento verdadeiro teríamos então que pôr de lado todo e qualquer estado emocional que pudesse afetar a nossa perspectiva. No entanto, este filósofo, diz-nos que é necessário que nos deixemos tocar pelo objecto que queremos conhecer. Para chegar ao real precisamos de ter relação com ele. Ao defender esta tese, Heidegger, parece entrar em contradição. Mas não será todo o conhecimento objetivo fruto de uma análise que parte da nossa subjetividade? Não será esta proposta demasiado exigente para o ser humano?
Geralmente os filósofos da corrente racionalista afirmando o primado da razão entendem que os sentimentos pertencem ao campo do irracional e, como diria Voltaire, “A razão consiste em ver sempre as coisas como elas são.” Ou seja, aqueles que fazem a sua análise do mundo carregados com toda a sua carga afetiva e emocional não estarão a ver as coisas como elas são.
Acredito que alguns estados emocionais podem, efetivamente, deturpar a percepção de uma realidade. Percebo alguns dos fundamentos presentes nos pensadores racionalistas. Todavia acredito que só em estados de extrema dominação dos sentimentos sobre o indivíduo podem conduzir a uma efetiva alteração do real. O homem em si não pode libertar-se de todo e qualquer estado emocional. A razão, definida como uma estância superior aos sentimentos, deixa de ser componente ou exercício humano. O caminho aqui é aceitar e integrar os sentimentos dentro da própria razão, pois também ela, parece-me, vive de estados emocionais. O desejo de conhecimento, que é causa precedente da razão, pode ser definido como um sentimento. Um homem liberto de sentimentos nem sequer poderia exercer a razão, muito menos chegar ao conhecimento da realidade. No seu estado de indiferença a razão acaba por estar a usar de um sentimento de apatia em relação ao objeto do seu conhecimento.
Em Hegel vemos uma tentativa de integrar os sentimentos e os estados afetivos na construção racional. Segundo este autor o homem, deixando-se conduzir pelas suas paixões e apetites, acaba por cumprir, sem o saber, os desígnios da razão. Toda a história humana é conduzida por paixões, necessidades, desejos, estados afetivos vários que se transformam no autêntico motor de toda a ação do homem. Um indivíduo concebido sem sentimentos não teria qualquer motivação para pensar sequer em filosofar. A razão, acredito eu, não é incompatível com os sentimentos. O conhecimento da realidade transcendente só pode vir da nossa visão transcendental. Talvez esta minha perspectiva possa ser demasiadamente husserliana, todavia não encontro outra justificação para o conhecimento. Faz-me lembrar o exemplo do quadro no qual eu sou um pequeno ponto. Estando inserido em determinado contexto e influenciado por múltiplas situações limito-me à visão que posso ter. Nunca poderei sair do quadro para ter a visão da totalidade e poder explicá-la. Tenho que limitar-me ao que posso alcançar. 

É natural que uma pessoa que vê um pinheiro pela primeira vez conseguirá reparar num sem número de pormenores que, à partida, um indivíduo que nasceu e viveu toda a sua vida junto a um pinhal não conseguirá captar. Contudo, esta diferença de visões poderá implicar que um atinja mais a realidade que outro? Não captarão ambos a realidade apesar de terem perspectivas diferentes? Portanto o estado racional proposto pelos filósofos racionalistas parece-me uma utopia. É tudo uma questão de conceitos e da sua definição. Cada filósofo define “sentimento” segundo o seu ponto de vista, cada um tem a sua definição de “real”. Isto complica qualquer análise crítica.
Vale a pena questionar este preconceito da razão para com os sentimentos, ou então, delimitá-lo a certos estados afetivos que, de fato, se não bem avaliados podem perturbar a visão da realidade.
Que seria o homem se usasse apenas esta “razão”? Que vida seria a nossa? Poderia o ser humano suportar a dureza desta “razão” esvaziada de sentimentos? Para ter uma visão segura da realidade vale a pena integrar estes dois pólos, que não são opostos, mas que se complementam. Não me parece, assim, haver um primado da razão sobre os sentimentos. Vale a pena pensar nisto.

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