quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Retomada dos Conteúdos - Café Filosófico - E.E. "Oswaldo Cruz"/Cruzeiro-SP

DOIS MODELOS DE ESTADO: LIBERAL E ANARQUISTA


Liberalismo - A propriedade e o Estado
Muitos filósofos trataram do tema Estado, como fruto de um pacto ou contrato a partir da união dos indivíduos. Em geral, esses filósofos se basearam no direito natural, ou seja, no jusnaturalismo. Hobbes, Rousseau e Locke discordaram do significado exato desses direitos, mas, de qualquer forma, muitas de suas teorias filosóficas foram bem-aceitas por uma classe tipicamente moderna, que é a burguesia. Em síntese, esse ideário ajudou a burguesia a se libertar da mediação política da tradição medieval e da Igreja Católica. De modo especial, John Locke, ao se referir aos direitos naturais, pensava que todos nascem com direito:
·     à vida
      ·     à liberdade
      ·     à propriedade
Por isso, é função do Estado fazer com que a vida, a liberdade e a igualdade de cada um sejam respeitadas. Dessa maneira, a burguesia, que estava em plena ascensão entre os séculos XVII e XVIII, encontrou nessa teoria uma das bases para a legitimação de seu poder. Com a teoria do indivíduo, o proprietário é livre para lucrar com o comércio e a indústria, constituiu-se o fundamento do liberalismo (doutrina baseada na defesa da liberdade individual, nos campos econômico, político, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal). No liberalismo, o Estado é responsável pela guarda das propriedades particulares contra os pobres, já que esses teriam perdido sua propriedade por usarem mal a própria liberdade. Assim, a pobreza é tida como responsabilidade do pobre, que deve usar a sua liberdade para o trabalho como fonte de novas propriedades.

Desejo ser escravo
Étienne de La Boétie nasceu em Sarlat, no ano de 1530. Amigo de Michel de Montaigne, outro importante humanista francês. La Boétie procurou explicar o motivo pelo qual as pessoas obedecem o tirano. Suas observações e reflexões o levaram a afirmar que a sujeição de muitos por um tirano está relacionada muito mais com desejo do que com medo. Segundo La Boétie, elas entregam a sua liberdade e se tornam escravas por um salário bem baixo para um dia poderem conseguir bens. É o desejo de bens e de riqueza que torna esses indivíduos servos voluntários, e não simplesmente a luta pela sobrevivência. Por isso, se o poder de quem está no topo da pirâmide social é alimentado pelo desejo de bens das pessoas que estão abaixo, contra isso só há uma maneira para alcançar de novo a liberdade: não desejar mais bens desnecessários. Dessa forma, não há mais a busca e/ou aceitação da tirania de outras pessoas. Para La Boétie, essas pessoas se tornam escravas por livre vontade, vivendo uma verdadeira servidão voluntária.

O anarquismo
Como você sabe, no senso comum, o anarquismo é algo sem organização, em que qualquer um pode fazer o que bem entende. A teoria anarquista não defende que cada um possa fazer o que bem entende, mas sim que a organização política deva ser de modo tal que cada indivíduo possa participar do poder sem a instalação de um Estado que governe a todos. O anarquismo é uma teoria social e movimento político, presente na história ocidental do século XIX e da primeira metade do século XX, que sustenta a ideia de que a sociedade existe de forma independente e antagônica ao poder exercido pelo Estado, sendo este considerado dispensável e até mesmo nocivo ao estabelecimento de uma autêntica comunidade humana. Os anarquistas têm como centro da ação política o indivíduo livre, autônomo, ou seja, capaz de se autogovernar e de participar de sociedade na qual a descentralização do poder é um princípio fundamental. A autonomia no anarquismo exige que o indivíduo livre exerça a sua própria autoridade, sendo essa a única possível. Ou seja, no anarquismo, espera-se que as pessoas não precisem de governo para poder viver, pois se acredita que os seres humanos tenham a capacidade de viver em paz e em liberdade. Por isso, os anarquistas combateram o Estado. Para eles, o Estado não garante a liberdade; pelo contrário, provoca a escravidão, pois controla a vida de todos, desde o nascimento até a morte. Por exemplo, quando nascemos, temos de ser registrados e, depois, temos de tirar vários documentos. No caso dos homens, aos 18 anos, é obrigatória a apresentação para o serviço militar. Finalmente, precisamos de autorização até mesmo para o sepultamento, quando ganhamos mais um documento – o atestado de óbito –, para provar que estamos mortos. Para os anarquistas, o Estado destrói a vida das pessoas, quer pela burocracia, quer pelo uso da força, como é o caso da polícia. Quanto à democracia burguesa, merece ser criticada e superada por favorecer a desigualdade social e não permitir a construção de uma sociedade de liberdade para todos. Poderíamos resumir a ação direta do anarquismo nessas duas palavras: liberdade e responsabilidade, uma vez que seu ideário propõe a eliminação de toda forma de hierarquia entre os homens.


Capitalismo segundo Karl Marx

1.Trabalho e modo de produção
De acordo com Marx e Engels, podem-se distinguir os homens dos animais de diferentes maneiras: por exemplo, pelo fato de terem consciência, religião ou qualquer outra característica que se queira mencionar (a linguagem, a racionalidade, etc.). No entanto, eles próprios começam a se distinguir a partir do momento em que passam a produzir os meios necessários à conservação de sua vida.  "Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre os animais; porém, esta distinção só começa existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente que é consequência de sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material".  De fato, diferentemente dos outros animais, que necessitam se adaptar à natureza para sobreviver, o ser humano é capaz de transformá-la e adaptá-la às suas necessidades (de alimentação, de proteção contra predadores e intempéries da natureza, de reprodução da espécie etc. ), produzindo, assim, ele próprio, as condições necessárias à sua existência. Para tanto, o homem é capaz de produzir ferramentas e técnicas que ele vai aperfeiçoando ao longo do tempo e que facilitam e tornam mais produtivo o seu trabalho de transformação da natureza e satisfação de suas necessidades. É nesse sentido que, como lembra Marx, Benjamin Franklin definiu o homem como "a toolmaking animal", isto é, "um animal que faz instrumentos de trabalho" As formas como os homens produzem coletivamente os bens necessários à sua sobrevivência variaram ao longo da história da humanidade, dando origem aos diferentes modos de produção, tais como: o modo de produção primitivo, o escravista, o asiático, o feudal, o capitalista, o socialista. Em geral, os modos de produção se constituem em dois elementos fundamentais: as forças produtivas e as relações de produção. Por forças produtivas entende-se o conjunto dos agentes que impulsionam o processo produtivo. Incluem:
- Os meios de produção: instrumentos, ferramentas, utensílios, terra edifícios, instalações, máquinas, matéria-prima, etc.;
- A força de trabalho: a energia muscular e cerebral com a qual os trabalhadores, valendo-se dos meios de produção, possibilitam que o processo produtivo aconteça. Quanto mais desenvolvidas as forças produtivas, maior a produtividade do trabalho.
As relações de produção são as relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza no processo produtivo. De um modo geral, elas são determinadas pela forma de propriedade dos meios de produção. Por exemplo, no modo de produção primitivo a propriedade dos meios de produção era coletiva, o que permitia que todos participassem da produção e do consumo dos bens necessários à comunidade. Nesse tipo de sociedade predominavam relações sociais mais igualitárias, de cooperação e ajuda mútua. Por outro lado, em um modo de produção em que os meios de produção são de propriedade privada ou particular e no qual os seus proprietários se apropriam do trabalho dos não proprietários, as relações sociais predominantes são de conflito e antagonismo. Tem-se, nesse caso, uma sociedade de classes: a dos proprietários e a dos não proprietários dos meios de
produção. Pode-se dizer, portanto, que a origem da sociedade de classes , ou da desigualdade social, está na propriedade privada dos meios de produção. A seguir vamos examinar um pouco mais perto o modo de produção capitalista, à luz das análises que dele foram feitas por Karl Marx.
2. O modo de produção capitalista e suas classes fundamentais.
Vimos que os modos de produção se constituem por forças produtivas e relações de produção, sendo estas
determinadas pela forma de propriedade dos meios de produção. No caso do modo de produção capitalista, ele se caracteriza pela propriedade privada dos meios de produção, da qual decorre a existência de duas classes sociais fundamentais: a burguesia ou classe capitalista (proprietária), numericamente minoritária, e o proletariado ou classe trabalhadora, isto é, a classe dos que, desprovido dos meios de produção, são obrigados, para garantir sua sobrevivência, a vender sua força de trabalho à burguesia em troca de um salário. Poder-se-ia falar, ainda, em uma classe intermediária, formada por indivíduos que nem possuem meios de produção, nem trabalham para aqueles que os possuem. Seriam os profissionais liberais de todo tipo (médicos, engenheiros, advogados, etc.) e os que atuam no setor de serviços. Contudo, o que determina o caráter do modo de produção capitalista são as duas classes fundamentais - burguesia e proletariado – mais diretamente envolvidas no processo produtivo. Uma vez que detém o poder econômico e, consequentemente, o poder político, a burguesia se constitui como classe dominante, ao passo que o proletariado se configura como classe dominada. O principal objetivo do capitalista como classe social é obter lucro, isto é, uma soma de dinheiro superior à que ele investiu na produção de mercadorias. Isso acontece da seguinte maneira: Inicialmente, o capitalista emprega certa quantidade de dinheiro (D) para comprar as mercadorias (M) de que precisa para produzir; tais como máquinas, ferramentas, instalações, prédios, energia elétrica, combustível, água, matéria-prima, entre outras. Em suma, ele adquire os meios de produção. Além disso, precisa comprar também a força de trabalho que vai interagir com as máquinas e com os equipamentos e impulsionar a produção. (Como veremos mais adiante, no capitalismo, a força de trabalho, isto é, o trabalhador, também se converte em mercadoria, e numa mercadoria muito especial). Ao final do processo, as mercadorias produzidas deverão ser vendidas por um valor superior ao que o capitalista investiu (D`), proporcionando a ele o lucro desejado. A fórmula que expressa esse movimento é: D - M - D`. O dinheiro usado pelo capitalista para comprar as mercadorias (incluindo a força de trabalho) de que precisa para produzir outras mercadorias cuja venda lhe trará mais dinheiro do que tinha antes (lucro) é denominado capital. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, não é qualquer dinheiro acumulado  que pode ser chamado de capital. O dinheiro que alguém guarda na poupança para comprar um bem de que necessita, por exemplo, não é propriamente capital. Nas palavras de Marx: "A primeira distinção que notamos entre dinheiro que é apenas dinheiro e dinheiro que é capital está na sua forma de circulação. A forma mais simples de circulação de mercadorias é M-D-M, a transformação da mercadoria em dinheiro e a transformação do dinheiro novamente em mercadoria; ou vender para comprar. Mas ao lado dessa forma encontramos uma outra forma especificamente diferente: D-M-D, a transformação de dinheiro em mercadoria e a transformação de mercadorias novamente em dinheiro; ou, comprar para vender. Dinheiro que circula nesta última forma é, por conseguinte, transformado em capital, torna-se capital, e já é potencialmente capital."
3. A mais-valia
Vimos que nas relações sociais capitalistas, o trabalhador (proletário) precisa vender sua força de trabalho que, desse modo, converte-se em mercadoria. Mas a força de trabalho tem uma peculiaridade que a torna especial, comparativamente às demais mercadorias. Vejamos por quê: O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade média de trabalho que ela contém, isto é, pela quantidade de trabalho socialmente necessária para a sua produção. Essa quantidade é medida pelo tempo de duração desse trabalho, expresso em horas, dias, etc. Os meios de produção adquiridos pelo capitalista são mercadorias já produzidas pelo trabalho de outrem. Por isso, o trabalho que há nelas é denominado por Marx de trabalho pretérito ou trabalho morto realizado pela máquina a um custo menor e com mesmo efeito de mercado. Essas mercadorias possuem um valor constante que, uma vez pago, não mais se altera significativamente. Por isso, o capital usado na sua compra denomina-se capital constante. Seu custo é repassado gradativamente para os produtos, permitindo que o capitalista recupere o investimento realizado. Essas mercadorias, portanto, não são capazes de criar mais valor do que aquele que possuíam originalmente. A mercadoria força de trabalho também possui um valor específico, representado pelo salário. Esse valor, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. Mas o que significa produzir a mercadoria trabalhador? Significa garantir as condições necessárias à sua existência, o que implica satisfazer suas necessidades fisiológicas (reprodução, alimentação, vestuário, habitação, saúde, transporte, segurança, etc.) e culturais (educação, qualificação, lazer, etc.). Ocorre eu a força de trabalho possui uma qualidade que a distingue de  todas as outras mercadorias: sendo trabalho vivo, ao ser utilizada pelo capitalista, ela cria valor, ou seja, ela produz mais valor do que o necessário para a sua produção e reprodução. Em outras palavras, ela gera para o capitalista um valor maior do que o do salário que ele lhe paga. Por isso o capital, empregado na sua compra denomina-se capital variável. Como ocorre esse processo de criação de valor? Digamos que para produzir o equivalente ao valor de seu salário um trabalhador precisasse trabalhar quatro horas diárias. No entanto, é obrigado a trabalhar oito horas. As quatro horas excedentes correspondem ao valor a mais por ele produzido e que não lhe retorna na forma de salário. Esse valor excedente produzido pelo trabalhador é o que se denomina mais-valia. Apropriada pelo capitalista, é ela que lhe permite cobrir os custos da produção e, ainda auferir lucros e acumular capital para continuar investindo e enriquecendo. Trata-se, no fundo, de uma troca bastante desigual: os trabalhadores recebem um valor x e entregam ao capitalista um valor y muitas vezes superior a x. Esse processo de extração da mais-valia constitui a essência do modo de produção capitalista, sua lógica interna de funcionamento. Não há capitalismo sem mais-valia. Graças a ela, por mais bem remunerado que seja um trabalhador, seu salário será sempre inferior ao valor total produzido ao longo de sua jornada de trabalho. Eis por que a sociedade capitalista é, por natureza, fundada na exploração do trabalhador e geradora de desigualdade. Não foi à toa que Marx comparou o capital aos vampiros: "Mas o capital tem um único impulso vital, a tendência para criar valor e mais-valor, para fazer sua parte constante, os meios de produção, absorver a maior quantidade de mais-trabalho possível. O capital é trabalho morto que, como vampiro, vive apenas de sugar trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho suga"  Se a desigualdade é inerente à sociedade capitalista, a sua eliminação definitiva supõe, necessariamente, a abolição desse modo de produção e a construção de novos tipos de relações de produção.
4. A ideologia

Vimos que o modo de produção capitalista funda-se na exploração do trabalhador da maioria pela minoria, mediante o processo de extração da mais-valia. Poder-se-ia, então, perguntar: como essa situação se sustenta? Porque as massas exploradas não se revoltam e não transformam essa realidade? Em grande parte porque os interesses particulares da classe dominante (mais-valia, lucro, acumulação de capital) são apresentados como universais, isto é, como se fossem interesses de toda a sociedade. Como diziam Marx e Engels: "Com efeito, cada nova classe no poder é obrigada, quanto mais não seja para atingir os seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum a todos os membros da sociedade ou, exprimindo a coisa no plano das ideias, a dar aos seus pensamentos a forma da universalidade, a representá-los como sendo os únicos razoáveis, os únicos verdadeiramente válidos". Isso acontece porque a classe que domina a produção econômica em uma determinada sociedade domina também a produção das ideias que circulam nessa sociedade, de modo que as suas ideias se tornam as ideias dominantes. Como dizem Marx e Engels: "Os pensamentos da classe dominante são também , em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante". Esse processo pelo qual a classe dominante confere um caráter universal aos seus interesses e às suas ideias é o que denomina de ideologia. Os meios de produção espiritual de que falam os autores são os diversos veículos pelos quais a classe dominante produz e difunde as ideias, os valores, as visões  de mundo que lhe interessam: os meios de comunicação de massa (TV, rádio, jornais, revistas, etc.), a escola, os livros, as religiões, entre outros. Em suma, o papel da ideologia (na concepção aqui representada) é produzir uma visão distorcida da realidade, mostrando como universais os interesses particulares da classe dominante, a fim de legitimar e perpetuar as relações de produção capitalistas. Algo semelhante ocorre com o Estado. Para Marx e Engels, a ideia de que ele é formado por um conjunto de instituições (governo, forças armadas, sistema jurídico, funcionalismo público, etc.) que governam uma nação em prol do bem comum não passa de ilusão, de uma falsa universalidade. Na realidade, porém, o Estado "não é mais do que a forma de organização que os burgueses constituem pela necessidade de garantirem mutuamente a sua propriedade e os seus interesses"

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